Paquistão

Postado por guZZ


O Leonardo Sakamoto (que eu não conheço) é da ONG Repórter Brasil, que trabalha com o combate ao trabalho escravo. Ele estava viajando pelo Paquistão e escreveu diversos relatos da sua vigem. São incríveis, recomendo muito esta leitura. Ótima para se ter um olhar crítico (e concreto) sobre a realidade do sudeste asiático.
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Neste link principal há vários outros links, um para cada relato, cada história. Aqui embaixo reproduzo apenas um, o mais hard, sobre tráfico de órgãos:
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Diários do Paquistão: o comércio de órgãos humanos
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Apesar de parcelas importantes da população estarem pressionando pela proibição total dessa prática, até agora o governo tem se mostrado conivente com a situação
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Por Leonardo Sakamoto
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Islamabad - Uns tempos atrás, circulava por São Paulo uma lenda urbana em que uma pessoa atraente oferecia uma bebida em uma balada e depois sugeria uma noite em um motel. Chegando no local, o desavisado capotava por efeito do sonífero na bebida e acordava em uma banheira, cheia de gelo, com um recado ao lado de um telefone: "Não se levante, seu rim foi retirado. Ligue para a emergência".
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Pois saibam que o roubo de órgãos não é conto da carocinha por aqui.
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Neste exato momento está sendo discutida no Paquistão a probição do comércio de órgãos humanos, atividade que movimenta mais de R$ 30 milhões anualmente por aqui.
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O principal órgão comercializado são os rins, e o centro dessa atividade bisonha está localizado nas cidades de Lahore e Rawalpindi, sendo que a maioria dos vendedores são da zona rural da província de Punjab. Uma estimativa divulgada pelo jornal Dawn, um dos mais influentes, apontam que cerca de 70% deles são trabalhadores forçados - aquele pessoal explorado e miserável que venho retratando nos posts.
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Desesperadas para quitar a dívida que possuem com o senhor de terras ou o dono de uma fábrica de tijolos, essas pessoas vendem um rim por algo entre R$ 2 mil e R$ 4 mil. Porém, o esforço, que vai debilitar a sua vida para sempre, tem se mostrado inútil. Uma pesquisa também divulgada pelos jornais daqui mostra que 95% dos vendedores continuam pobres e devendo ao patrão, portanto, escravos de sua vontade. Nessa hora, quando percebem a burrada que fizeram, sentem-se culpados, caem na depressão e vão definhando aos poucos.
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Cerca de mil transplantes de rins foram realizados em entrangeiros que viajaram ao país com essa finalidade. Pessoas de mais de 20 países do Oriente Médio, América do Norte, Europa e Sul da Ásia. Daí pode-se tirar uma idéia de quem usa o Paquistão como estoque de peças humanas de reposição. O irônico é que, em muitos casos, mesmo com poderosas drogas imunosupressoras, a incompatibilidade leva à rejeição do órgão. Perdem os dois lados, ganha a máfia montada para esse fim.
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Quem fica com a maior parte do dinheiro são os intermediários, que negociam as vendas, e as equipes médicas daqui que aceitam realizar esse tipo de operação. E, é claro, o senhor de terras. Há casos relatados por organizações não-governamentais de servos que foram enganados pelo patrão e tiveram seu rim roubado. O sujeito é levado para o hospital, faz exames, é anestesiado e sai de lá sem um rim. Aí o patrão diz que abateu uma parte da dívida com ele, mas não toda. Quando se recuperar da cirurgia, é obrigado a continuar trabalhando.
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Apesar de parcelas importantes da população, como a Sociedade de Transplantes, estarem pressionando pela proibição total desse comércio, até agora o governo tem se mostrado conivente com a situação. O primeiro-ministro Shaukat Aziz recentemente jogou a solução para frente, indo contra seu próprio ministro da Saúde.
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Um dos motivos para a lenga-lenga é o - acreditem - o intenso lobby sobre o governo dessa máfia que lucra com o comércio de órgãos. Não só aqui, mas em todos os países, a pressão das ricas indústrias da morte é forte. No Brasil, por exemplo, ajudou na vitória do "não" sobre a proibição das armas de fogo.
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Desculpem. Este não foi um post leve, ao contrário dos outros até agora. Também nem tinha como ser diferente.
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PS: Depois de tantos dias de viagem, estou voltando, mais queimado de sol e um pouco mais magro. Amanhã trago o epílogo desta jornada.
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Pancada né!?
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Não consigo tirar da minha cabeça a imagem de um europeu, loiro, alto, branco, olhos azuis, mãos macias e barriguinha saindo feliz pela porta da frente de uma clínica paquistanesa. Enquanto na rua de trás um asiático, moreno, magro, cheio de rugas, de pele castigada pelo sol, com mãos grossas do trabalho árduo, com roupas escuras e gastas e com uma grande expressão de dor seria atirado na sarjeta...

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